Nesta segunda-feira (15), o Terça Livre entrevistou com exclusividade Felipe Marcelo Gimenez, da Procuradoria-Geral do Estado do Mato Grosso do Sul (PGE-MS). Gimenez atua na Procuradoria Judicial (PJ) como procurador e nos respondeu questões sobre a legitimidade do processo eleitoral com urnas eletrônicas e seus desdobramentos para a sociedade.
Nesta segunda-feira (15), o Terça Livre entrevistou com exclusividade Felipe Marcelo Gimenez, da Procuradoria-Geral do Estado do Mato Grosso do Sul (PGE-MS). Gimenez atua na Procuradoria Judicial (PJ) como procurador e nos respondeu questões sobre a legitimidade do processo eleitoral com urnas eletrônicas e seus desdobramentos para a sociedade.
Confira abaixo.
1 – É cabível juridicamente o uso da cédula de papel no segundo turno?
O uso da cédula de papel, que já está na lei, não fere o princípio constitucional da anualidade eleitoral que protege a paridade de armas e o equilíbrio da disputa eleitoral impedindo que uma inovação favoreça algum candidato (art. 16 da CF). A cédula de papel está prevista no artigo 59 da lei 9504/97 como solução para a falha do sistema eletrônico de votação e não interfere de forma alguma no equilíbrio da disputa e, portanto, seu uso não se submete ao princípio da anualidade. O Serviço eleitoral não se confunde com o pleito eleitoral.
2 – As ocorrências de fraude no primeiro turno caracterizam essa excepcionalidade?
Sim. Não foram simples falhas. O cidadão foi impedido de manifestar livremente seu voto. Impedir o livre exercício do voto é crime de responsabilidade segundo o artigo 7º da lei 1.079/1950. A contingência excepcional atual de mal funcionamento do sistema eletrônico de votação deve ser suprida pelo uso da cédula de papel prevista no artigo 59 da lei 9.504/1997 em respeito aos princípio constitucionais da publicidade, moralidade e eficiência. O caráter de excepcionalidade da hipótese de uso da cédula de papel previsto nesse comando legal não pode ser interpretado como opção discricionária. A norma estabeleceu uma solução para a circunstância excepcional em que haja falha na aplicação da regra geral caracterizada pelo uso do sistema eletrônico.
3 – Daria tempo de resolver os problemas apresentados pelo programa da urna?
As milhares de ocorrências denunciando a ineficiência do sistema devem ser apuradas até que não reste qualquer sombra de dúvida. Essa apuração inclusive deve ser também processada em inquérito policial porque há suspeita de crime. Ocorre que não há tempo plausível para uma investigação, inclusive criminal, que afaste a insegurança jurídica sobre o segundo turno.
4 – O que dizer para as pessoas que acreditam na urna eletrônica?
Veja os depoimentos no YouTube no canal tranparenciaeleitroal.org e no próprio site transparenciaeleitoral.org. Será que depois de 5 ações corretas votando para deputado federal, deputado estadual, senador primeira vaga, senador segunda vaga e governador o eleitor não saberia votar para presidente? Há fraude ou não? Diria Carl Sagan: a inexistência de evidência não é evidência de inexistência. Não haver prova da fraude não significa que ela não existe… somente que não temos prova.
5 – As ocorrências do primeiro turno não seriam apenas falhas?
Houve ato concreto de obstrução do livre exercício do voto. Violaram a essência da democracia que consiste na escolha dos representantes pelo povo. O artigo 7º da lei 1.079/1950 configura como crime de responsabilidade obstruir o exercício dessa garantia constitucional. Dizer que isso é falha é como defender o latrocida que mata porque a vítima reagiu.
6 – Como fica a situação se o cidadão não pode provar o que aconteceu?
Entre a denúncia do cidadão e a recusa do serviço eleitoral em admitir a ineficiência do sistema o princípio constitucional do contraditório (art. 5º, LV da CF) impõe a inversão do ônus da prova. O cidadão é impedido de registrar o fato do qual é vítima então deve ser favorecido pela presunção de veracidade. O caminho da razão deve sempre apontar para a dúvida, nunca para o dogma. No caso, o dogma da seita do Santo Byte.
7 – Por que você diz que o escrutínio não é público na urna eletrônica?
Na urna eletrônica o voto é volátil. O registro digital do voto e o boletim de urna são resultado do fato do escrutínio que não fica registrado. O escrutínio, que consiste em identificar, atribuir e contar o voto, é um ato administrativo sujeito ao princípio constitucional da publicidade e deve ser do conhecimento e compreensão por qualquer do povo. Mas esse fato não permanece na urna. Por isso nunca é possível provar a fraude.
8 – A justiça eleitoral afirma que tem que proteger o sigilo do voto. Você é contra?
Não se pode confundir a o exercício do voto com o escrutínio. São etapas diferentes. Um é favorecido pelo sigilo para preservar a liberdade de escolha o outro exige publicidade justamente para ter de segurança jurídica.
9 – Qual a utilidade da prova física do voto?
A prova física garante a publicidade do escrutínio e a recontagem de votos. A recontagem dos votos é impossível no sistema eletrônico porque recontar boletim de urna não é recontar votos.
10 – Você afirma que a urna eletrônica é um retrocesso jurídico. Explique isso.
O voto eletrônico é igual ao voto simplesmente declarado da República Velha anterior a década de 30. Naquela época também não havia publicidade do escrutínio. O cidadão declarava o voto para um agente público e ficava sem saber se seu voto seria respeitado. Nessa época ocorria a fraude no bico da pena em uma referência à caneta que anotava o voto. A urna eletrônica colhe a declaração do eleitor e ninguém sabe se de fato o voto é respeitado. O que se viu no primeiro turno é que milhares de votos não foram respeitados. Nem se sabe quantas pessoas deixaram de denunciar as fraudes. O número pode ser muito maior que o conhecido. A urna eletrônica é um retrocesso à republica velha… um retrocesso de uns 80 anos.
11 – Como fica a credibilidade da justiça eleitoral diante desse cenário?
A justiça eleitoral regulamenta e executa o serviço eleitoral. E se o cidadão reclama ela julga a si mesma. Essa acumulação absolutista é anti-republicana. Isso viola o princípio do juiz natural: é da natureza de quem julga um conflito ser alguém estranho ao conflito. Consequência natural disso é a suspeição.
12- A urna eletrônica não é um exemplo para o resto do mundo?
EUA, Alemanha, Japão, e outros países que dominam alta tecnologia usam o papel como prova física do voto para garantir publicidade e compreensão do escrutínio. A corte constitucional alemã declarou a inconstitucionalidade do seu sistema eletrônico de votação, idêntico ao brasileiro, porque o cidadão não tem condição de fiscalizar a contagem de votos.
13 – O que você pensa sobre a publicidade das auditorias da urna?
A publicidade deve ser do fato jurídico do escrutínio. Não serve para nada a publicidade do mecanismo ou do programa. Não adianta fazer auditoria antes ou depois da eleição se o fato do escrutínio é secreto e não permanece na urna. O escrutínio na urna é como a parcela de um cálculo em uma calculadora: no momento da totalização as parcelas desaparecem.
14 – Adianta os TRE’s de Curitiba e Brasília fazer auditoria das urnas que deram problema?
Uma auditoria não pode ser dependente do objeto auditado. Se o objeto auditado detecta que está sob teste condiciona a investigação e o resultado. A inteligência da urna deveria ser examinada em condições normais de uso. Mesma data, horário, gatilhos, comandos, etc. O princípio da independência do software em sistemas eleitorais, cunhado pelo PhD do MIT Ronald Rivest (uma autoridade mundial em criptografia) basicamente consiste em que o objeto auditado não pode condicionar a auditoria. Quem frauda dissimula a fraude.
Não se pode absolver um criminoso unicamente com base em sua própria alegação de inocência. Veja o teste Turing: máquinas podem escolher e simular respostas? Desde a década de 40 estudiosos se confrontam com esse dilema da inteligência artificial: a máquina pode mentir deliberadamente? Se programada para mentir é claro que fará isso. Basta que saiba se é hora de mentir. O que interessa é que os fatos do primeiro turno não estão mais na máquina… só o resultado.
O comportamento da máquina não será o mesmo porque a circunstância não é a mesma! Os fanáticos da Seita do Santo Byte não se dão conta de que a inteligência artificial da urna sabe que está sob teste e condiciona seu comportamento. Os “auditores” são dependentes dos software. A única solução é a prova física do voto para permitir uma auditoria independente. Eu finalizo com uma frase atribuída à Alan Turing no filme “O jogo da imitação”: só porque alguma coisa pensa diferente de você significa que ela não pensa?