A frase do procurador da República Eduardo El Hage, coordenador da Lava Jato no Rio de Janeiro, dá a amplitude da ladroagem que assolou os cofres públicos estaduais nas duas gestões do ex-governador Sérgio Cabral, entre 2007 e 2014: “Ele roubou em todas as áreas”. Diz-se nos meios policiais que larápio chinfrim tem “uma ética torta, mas que é ética”. Sobre isso pairam muitas dúvidas. Certeza mesmo, no entanto, é que a psicopatia de Cabral não poupou sequer a população de baixa renda, e numa área que o próprio crime comum prefere não se meter – a da saúde. Segundo o MPF, o esquema descoberto pela Operação Fratura Exposta fraudou R$ 300 milhões. Sistemática e periodicamente R$ 450 mil eram drenados para o bolso do ex-governador em forma de mesada, e R$ 16,4 milhões a sua quadrilha repartia entre si. Na semana passada, a operação prendeu preventivamente o ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes e seus gentis colaboradores. As outras áreas às quais El Hage se referiu são as de Obras e de Transportes, alvos da operação Calicute, que catapultou Cabral de sua farra com o erário para uma cela em Bangu.
Como a casa de Cabral caiu
“Até o fim do ano a gente vai mostrar isso”, afirmou o procurador, referindo-se a possíveis fraudes em diversas outras Secretarias do governo fluminense. Cabral e seus quadrilheiros eram dragas do dinheiro público, e a regra de divisão das propinas fazia-se rígida: 5% para o ex-governador, 2% para Côrtes. No total, os desvios chegavam a 10% e incluíam repasses para cúmplices, entre eles um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. O MPF e a Receita Federal calculam que o assalto de R$ 300 milhões seja produto da corrupção que se deu entre 2007 e o ano passado, e parte desse dinheiro viria de falcatruas em compras de próteses e equipamentos médicos pelo Instituto Nacional de Traumatologia (Into), que foi comandado por Côrtes, em conluio com os empresários Miguel Iskin (preso preventivamente) e Gustavo Estellita.
O truque é velho, mas mesmo o experiente auditor da Receita Federal Cléber Homem da Silva jamais vira golpe tão alto por parte de um governante: pagamento de tributos fictícios em licitações internacionais. As propinas eram depositadas no Bank of América (fora do Brasil). Pelos informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, Iskin já repatriou mais de R$ 70 milhões. Embora o esquema de desvios no Rio contasse com alta tecnologia, criptografia e pelo menos um escritório de advocacia eficiente, comandando por Adriana Ancelmo, mulher de Cabral (a que foi mandada da cadeia para casa com a finalidade de cuidar dos filhos, numa fragorosa quebra de isonomia em relação a outras presidiárias), havia um integrante que fazia anotações manuscritas de toda a contabilidade criminosa. “Ele discriminava de onde vinha e para onde ia a propina de cada setor do governo”, diz El Hage. Nessas anotações, por exemplo, Iskin era identificado como Xerife, em alusão à empresa dele, a Xerife Participações. Esses documentos foram somados a delações premiadas – entre as quais do ex-presidente do TCE-RJ, Jonas Lopes de Carvalho Filho. O nome do burocrata que tudo arquivou é Luiz Carlos Bezerra, apontado como operador financeiro de Sérgio Cabral. É claro que sempre que há roubalheira anotada, a casa mais do que cai – desmorona. A do ex-governador, para o bem do País, está agora no chão.