À frente do primeiro acordo de leniência que contou com a aprovação de todos os órgãos com atuação sobre o tema, o da empresa MullenLowe, o advogado Igor Tamasauskas afirma que ainda falta ao Estado brasileiro desenvolver uma metodologia de cálculo de ressarcimento dos cofres públicos que não inviabilize as empresas que se propõem a revelar crimes cometidos.
À frente do primeiro acordo de leniência que contou com a aprovação de todos os órgãos com atuação sobre o tema, o da empresa MullenLowe, o advogado Igor Tamasauskas afirma que ainda falta ao Estado brasileiro desenvolver uma metodologia de cálculo de ressarcimento dos cofres públicos que não inviabilize as empresas que se propõem a revelar crimes cometidos.
No acordo da MullenLowe, assinado em abril com a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério Público Federal (MPF), e com o aval do Tribunal de Contas da União (TCU), a empresa devolveu ao Estado o lucro de cada contrato viciado. Esse método, chamado de disgorgement, poderia ser usado, segundo Tamasauskas, em caso de impasse quanto ao cálculo do dano ao erário. Advogado também da J&F no acordo firmado com o MPF, ele critica punições a empresas por fatos que elas próprias admitiram e sustenta que o propósito do programa de leniência é depurar a relação entre o Estado e o privado. Abaixo, os principais trechos da entrevista.
O acordo da MullenLowe foi saudado por CGU, AGU, MPF e TCU como sinal de que é possível a política vingar. Que entraves restam?
A grande questão é identificar a forma adequada do valor de ressarcimento ao erário. Há um círculo vicioso. O Estado só conhece a profundidade do esquema de corrupção se a empresa colaborar; só que, para a empresa colaborar, ela tem de ressarcir o dano; e o dano acaba tendo uma fórmula de cálculo que inviabiliza a própria continuidade da empresa. A gente precisa conseguir superar essa armadilha e encontrar alguma fórmula de cálculo consistente tecnicamente, e que faça sentido do ponto de vista do interesse público, mas que não inviabilize a continuidade das empresas.
No caso da MullenLowe, o cálculo foi feito com base no disgorgement, devolução de lucros de contratos viciados. Esse caminho pode ser replicado em outros?
Penso que sim. Se você considerar que um mercado específico era todo viciado, e o Estado é também culpado porque deixou chegar a uma situação tão descontrolada, não dá para você falar que nesta ponte aqui houve sobrepreço de tanto porque aquela ponte custou tanto, se aquela ponte também pode ter tido sobrepreço ou uma combinação de empresas. Invertendo a lógica, passando a olhar pelas empresas e vendo quanto dali gerou lucratividade indevida, devolver essa lucratividade pode ser uma forma de superar esse impasse. Sem o programa de leniência, o Estado consegue enxergar apenas dez centímetros de um lago envolvendo a corrupção dessas empresas. Quando a empresa colabora, demonstra que, na verdade, ali tem mais 10 metros de profundidade. Ela leva ao Estado uma série de provas e investigações a que o Estado nunca ia ter acesso. Então não faz sentido que o Estado use documentos aos quais não teria acesso se não tivesse a colaboração justamente para inviabilizar a empresa. Esse ponto de equilíbrio que eu acho que precisa ser atingido.
Em abril, o TCU puniu pela primeira vez uma empresa apesar de acordo de leniência vigente - a Andrade Gutierrez. Qual o peso dessa decisão?
A análise de um caso específico é desfavorável para compreender todo um quadro. Esse caso demonstra a dificuldade de se chegar a um denominador comum em relação ao ressarcimento ao erário, isso é o que precisa efetivamente ser superado.
O Estado pode se satisfazer em recuperar apenas uma parte do prejuízo causado por uma empresa?
Precisa haver punição exemplar, mas que não mate a empresa, porque, se for matar a empresa, desestimula o programa. O programa é para permitir o mercado limpo, e não um mercado que tenha empresas zumbis e outras empresas que consigam entrar nesse vácuo sem esse tipo de controle.
O Grupo J&F negocia a repactuação no acordo de leniência. O que está sendo discutindo?
O MPF chamou uma discussão para ver se haveria adesão de outras entidades, e estamos discutindo. Tem diversos órgãos participando de reuniões no MPF. Está tendo discussão para aperfeiçoar o acordo.
O fato de o acordo de Joesley Batista e outros delatores estar ameaçado traz risco ao acordo de leniência da controladora da JBS?
Não. A ruptura da leniência só poderá ocorrer se houver nulidade dos acordos, mas ninguém está pedindo a nulidade, só a rescisão. A PGR diz que houve descumprimento de cláusulas do acordo de colaboração. Tem essa diferença entre nulidade e rescisão. Como se fala em rescisão apenas, a leniência não vai sofrer nenhum efeito. Do ponto de vista da leniência, estamos seguros de que não há nenhuma discussão sobre a validade da leniência por conta desses fatos.
Alguma mudança na lei poderia trazer mais efetividade aos acordos de leniência?
Se pensarmos toda hora em modificações legislativas, não vai ter estabilidade de regra, vai trazer mais insegurança. O que se precisa agora é insistir no diálogo, na prática e na reiteração.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.