O texto abaixo é a reprodução de uma matéria de Felippe Hermes, no site Spotniks. Apesar de ter sido escrita há 2 anos, o conteúdo continua extremamente relevante.
“Não podemos ter preconceito com países não democráticos.”
A frase acima, dita pelo ex-presidente Lula em 2009 na cúpula das nações africanas, fez parte daquilo que norteou sua política externa. Buscar ampliar o comércio com nações periféricas aproveitando-se dos seus ganhos com a alta de preços de produtos como petróleo, levou Lula a peregrinar por África e Oriente Médio como poucos presidentes no mundo. Destas saudações da diplomacia brasileira a nações ditatoriais, ou “não democráticas”, bilhões em obras para empreiteiras brasileiras como OAS e Odebrecht surgiram. Outros bilhões, porém, saíram do Brasil para financiar obras e serviços.
Um dos países com pior colocação mundial em rankings de competitividade, o Brasil optou por financiar obras e serviços em países ao redor do mundo, com o intuito de lucrar por meio delas. Através de contratos até pouco tempo secretos (alguns ainda permanecem secretos), centenas de obras como rodovias, hidrelétricas, ferrovias, barragens, aeroportos e metrôs foram erguidos na América Latina e na África, alvos principais da atuação brasileira.
Ao todo, US$ 11,9 bilhões foram desembolsados apenas pelo BNDES, o banco público responsável por realizar estes financiamentos. Segundo apontou O Globo, tais empréstimos causaram prejuízo anual de R$ 1,1 bilhão ao trabalhador, uma vez que são realizados com recursos do FAT, um fundo financiado com parte dos salários de cada trabalhador brasileiro.
A prática de financiar países em situações ditatoriais – bem verdade – não é uma exclusividade brasileira. A ausência de critérios objetivos para se determinar certos financiamentos, por outro lado, é algo particularmente tupiniquim. A falta de transparência nos contratos (alguns, como os do porto de Mariel em Cuba, realizados em condições completamente atípicas), é motivo mais do que suficiente para que se questione a motivação pela qual estes financiamentos são aprovados. Revelações indicando lobby do ex-presidente Lula a favor de empreiteiras, como as reveladas na 14ª fase da Operação Lava Jato, temperam ainda mais as suspeitas.
Muito mais do que enaltecer ditaduras com palavras, o governo brasileiro vem há algum tempo empenhando-se para dar suporte a elas, tudo às custas de alguns bilhões subtraídos do bolso do trabalhador. Abaixo, selecionamos 6 exemplos destes.
1 – Angola
Uma das mais antigas ditaduras do planeta, Angola tem sido um dos principais alvos do esforço brasileiro em estreitar relações com países africanos. Entre 2002 e 2012, o comércio entre ambos os países cresceu 416%, chegando a exportações brasileiras de US$ 1,3 bilhão e importações de US$ 1,2 bilhão. Entre os principais produtos importados pelo Brasil, o petróleo angolano lidera.
O país africano é atualmente o que mais rende contratos a empreiteiras brasileiras e é o maior recebedor de recursos do BNDES, com US$ 5 bilhões já concedidos. A construção de rodovias e hidrelétricas por parte de empresas como Odebrecht e Camargo Corrêa, fazem do país um parceiro comercial importante.
Terra da mulher mais rica do continente africano, e filha do presidente do país (que está no cargo desde 1979), Angola é também um celeiro fértil para investimentos brasileiros. Sua maior empregadora é justamente a brasileira Odebrecht, dona de uma rede de supermercados e financiadora do Santos Futebol Clube, que homenageia ao mesmo tempo o time brasileiro e o presidente do país.
Junto de Cuba, Angola é um dos dois países em que o BNDES tornou secretos os contratos. As condições de financiamento, taxas de juros e prazos permanecem desconhecidas. As relações brasileiras com o país são também alvo de investigadores da Polícia Federal na Operação Lava Jato, uma vez US$ 50 milhões teriam sido doados por empresas brasileiras a campanhas no país. O valor, segundo apurou a Polícia Federal, teria sido pago a João Santana, marqueteiro do PT e do presidente angolano.
2 – Cuba
No poder desde 1959, a família Castro segue influenciando nações latino-americanas por suas ideias. Em troca, o país recebe centenas de milhões de dólares em exportações agrícolas, financiamentos dos mais diversos, doações de barris petróleo ou mesmo alimentos. Tudo a despeito de viver em um bloqueio comercial.
Há não muito tempo, quase 1 milhão de toneladas de alimentos partiram dos estoques da Companhia Nacional de Abastecimento para o país, a título de doação.
Mais conhecido, o porto de Mariel, construído no país e financiado pelo BNDES, levou US$ 682 milhões em recursos do banco. Junto de Angola, foram US$ 850 milhões apenas em 2014. Obras das mais diversas, como o aeroporto da capital, ou usinas de cana de açúcar operadas pela brasileira Odebrecht são alvos dos empréstimos feitos em condições mais do que especiais.
Conforme apurado pela Época, o financiamento do porto cubano contou com cláusulas que estabeleciam prazos até 2 vezes maiores que o normal, e garantias dadas em “rendas do tabaco”. Em suma, Cuba recebe recebe quase 1 bilhão de dólares, para serem pagos em um tempo mais do que razoável, com rendas incertas. No meio da negociação, segundo a revista, o ex-presidente Lula (que está processando a revista).
E não apenas de financiar obras vive a relação brasileira com tais países. De Cuba, o Brasil importa serviços – através do ‘Mais Médicos’. Pagando cerca de R$ 10 mil por médico cubano, o país terceiriza a mão de obra do sistema de saúde brasileiro, gerando recursos volumosos para o regime dos irmãos Castro, que fica com até 70% dos valores recebidos pelos profissionais. Nesta modalidade, o Brasil já repassou R$ 2,8 bilhões à ilha caribenha.
3 – Zimbabué
Há 30 anos no poder, Robert Mugabe, o ditador zimbabuano, lidera uma das nações mais pobres do continente africano, conhecida por muitos apenas pela sua exorbitante taxa de inflação e pela nota de 1 trilhão de “dólares do Zimbábue”.
Com números alarmantes de desnutrição infantil e alto índice de pessoas vivendo na miséria, o país é alvo constante de doações internacionais que buscam amenizar o caos. Sua situação produtiva e corrupção crônica, entretanto, impedem uma efetividade em medidas do gênero. Regras instáveis, que levaram à expropriação de fazendeiros brancos para a realização de uma reforma agrária forçada, fazem da produção agrícola no país algo longe do necessário.
Ditador mais velho do mundo, com 92 anos, Mugabe é um dos envolvidos com o escândalo do Panamá Papers, que envolve documentos da empresa Mossack Fonseca, responsável por ajudar inúmeras pessoas ao redor do mundo a ocultar patrimônio (a empresa é também citada na Operação Triplo X da Lava Jato, uma vez que os apartamentos vizinhos ao Triplex da OAS no Guarujá estão em nomes de uma off-shore criada pela empresa).
Para o Brasil, porém, o Zimbábue é uma terra de oportunidades. Recentemente, em 2013, o BNDES decidiu liberar R$ 250 milhões em uma linha de crédito ao governo do país.
4 – Venezuela
Enquanto a Venezuela entra um estágio avançado de convulsão social, decretando feriado para economizar energia, sofrendo com desabastecimento e o aumento da pobreza, além da maior recessão do continente, para o Brasil, nada mudou – o país vizinho ainda é o mesmo de 2005, quando promessas de investimento de bilhões ainda tornavam-o um parceiro comercial relativamente forte.
A promessa de investir em uma refinaria com a Petrobras em Pernambuco, por exemplo, resultou em calote. Nada que abalasse os investimentos brasileiros e os recursos destinados a obras no país. Pontes, hidrelétricas e rodovias foram financiadas por lá, com dinheiro brasileiro. A maior beneficiária, a própria Odebrecht, que concentra 70% dos recursos destinados a financiamento de serviços no exterior pelo banco.
Nem mesmo as acusações de violação de direitos humanos, prisões políticas e mortes de estudantes em protestos contra o governo, mereceram críticas da diplomacia brasileira.
Do metrô da capital Caracas à ponte que liga o país ao Brasil, as obras financiadas pelo BNDES são inúmeras. Em 2009, no auge do preço do petróleo, as empreiteiras brasileiras chegaram a ter contratos de US$ 20 bilhões no país. Segundo o Tribunal de Contas da União, boa parte desses contratos registraram inúmeras irregularidades.
5 – Congo
Há quase 4 décadas o país africano, o mais pobre do continente, acumulava dívidas com o Brasil. Bens e serviços vendidos pelo país e financiados pelo governo brasileiro. Para o governo brasileiro, tal dívida significava um problema para garantir que o país se tornasse um parceiro comercial importante. No intuito de ajudar o país e permitir que ele contraísse novas dívidas, US$ 400 milhões foram perdoados.
Perdoar dívidas do país significou, entre outras coisas, libera-lo para novos empréstimos, em bancos como o próprio BNDES.
Oficialmente, o país é uma república, cujo presidente Denis Nguesso está no poder desde 1997, constantemente reeleito. Na prática, porém, Nguesso assumiu o poder de forma não tão democrática em 1979, e em 1992 saiu do poder, perdendo as eleições (ficando em 3º lugar).
6 e 7 – Guiné Equatorial e Gabão
Poucas coisas unem as duas nações, além das fronteiras e do idioma comum (o francês). Dentre elas, o fato de ambos serem ditaduras é provavelmente o mais relevante, uma vez que seu vizinho maior, o Congo, encontra-se na mesma situação, demonstrando o clima nada estável pelo qual vive a região (próxima também a Angola).
Ambas as ditaduras possuem histórias distintas. No Gabão, Ali Bongo é oficialmente o “presidente eleito” e seu pai, Omar Bongo, governou o país durante 42 anos. Na Guiné Equatorial, Teorodo Obiang é ele próprio o ditador há 36 anos.
Com a riqueza do petróleo, que torna ambos o 1º e o 3º maior PIB per capita do continente respectivamente, ambos os países são propícios para se fazer negócios.
Citada na 14ª fase da Operação lava jato (a Operação Triplo X), a Guiné Equatorial é mais conhecida por aqui pela sua participação no carnaval carioca, quando financiou o desfile da Beija-Flor.
Em uma tacada só, perdoando US$ 900 milhões em dívidas de diversos países africanos, a presidente Dilma anistiou ambos os países de suas dívidas. Não mais do que algumas semanas depois do ocorrido, o filho do ditador Teodorín Obiang foi visto em Paris, onde teria gasto em uma única noite na casa de leilões Christie’s duas vezes mais do que a dívida perdoada pelo governo brasileiro.
O governo que vive destacando a importância que dá aos valores democráticos, não perde tempo antes de fazer alianças políticas e econômicas com algumas das ditaduras mais perversas do planeta.
Fonte: Tarciso Morais – Renova Mídia