Conhecedor das entranhas do PT, o ex-ministro José Dirceu havia vaticinado da cadeia: as delações de João Santana, o Feira, e de sua mulher Monica Moura, a Xepa, serão mortais para Lula e Dilma. O petista, no cárcere desde agosto de 2015, se fiava não só no potencial destruidor dos depoimentos da dupla como em outra constatação reinante no petismo: o de que as revelações de Feira e Xepa arrastarão outro petista de alto calibre para a delação premiada. Trata-se do ex-ministro Antonio Palocci, o intermediário das propinas para os altos hierarcas do partido. A avaliação, além de embutir um raro “sincericídio”, é irreparável. Pelo que revelaram João Santana e Monica Moura ao juiz Sergio Moro, na última semana, não resta outra alternativa a Palocci senão partir para uma colaboração à Justiça. Os depoimentos, além de confirmarem tudo o que já se sabia a respeito das negociatas de caixa 2 envolvendo as campanhas dos ex-presidentes petistas, coloca uma espécie de espada de Dâmocles sobre a cabeça de Palocci. Se ele não colaborar com a Justiça, fica sujeito a ampliar ainda mais sua estada na cadeia. Caso resolva contar tudo, terá de entregar, em minúcias, os segredos mais recônditos do QG lulopetista, guardados com ele desde a década de 90, quando desabrochou para a política em Ribeirão Preto. Em depoimento na quinta-feira 20, Palocci indicou que está disposto a falar: “Todo mundo sabe que teve caixa dois em todas as campanhas. Se o sr. tiver interesse eu apresento todos os fatos com nomes, endereços e operações realizadas. É um trabalho que fará bem ao Brasil”.
A Moro, o Feira e Xepa confirmaram que havia uma triangulação com a Odebrecht e que os acertos de receber dinheiro por fora, não contabilizado, eram combinados com o ex-ministro da Fazenda, a quem cabia efetuar os repasses. Segundo Mônica, o modus operandi funcionou na campanha de 2010 de Dilma, bancada com dinheiro de caixa dois via Odebrecht. Naquele ano, a empreiteira fez um pagamento de aproximadamente “R$ 5 ou R$ 6 milhões” em dinheiro no Brasil. O resto foi no exterior, na conta na Suíça em nome da offshore Shellbill. “Foi pago US$ 4,5 milhões (R$ 10 milhões) na nossa conta, a Shellbill, referente a esses pagamentos que a Odebrecht se comprometia a pagar”, narrou Mônica, em Curitiba.
Dinheiro não contabilizado
A participação de Palocci, no entanto, já não constituía uma novidade em 2010 para o marqueteiro. Na campanha em que conseguiu reeleger Lula em 2006, João Santana já recebia pagamentos por fora, por meio do ex-ministro da Fazenda. “Na época, o Antonio Palocci fez esse contato e parte da campanha do presidente Lula foi feita através da Odebrecht”, contou o marqueteiro. O vai e vem de mochilas recheadas de dinheiro era uma prática recorrente. “Essa parte não contabilizada sempre era acertada com o partido, seja por dentro, seja por fora, sempre no início da campanha”, afirmou Mônica Moura ao juiz. “Depois o partido dizia: ‘Bom, X desse valor a gente vai pagar e X sempre tinha um colaborador, um doador, que pagaria a outra parte. Das duas formas sempre era dinheiro entregue em malas, em hoteis, em flats, em diversos lugares.”
Pelo roteiro traçado pelo casal a Moro, Mônica era quem cuidava da administração financeira da Pólis, a agência dela e de Santana. Os acertos na empreiteira eram feitos com o executivo Pedro Novis e com os diretores do Setor de Operações Estruturadas, o chamado “departamento de propinas”, Hilberto Mascarenhas Silva e Fernando Miggliaccio. Nas eleições municipais de 2008, conforme planilhas apreendidas pela PF com executivos da empreiteira, foram repassados R$ 18 milhões pela Odebrecht a Feira e Xepa. Naquele ano, a agência de publicidade atendeu as campanhas das senadoras Marta Suplicy (ex-PT, hoje PMDB) à prefeitura de São Paulo e de Gleisi Hoffman (PT) à prefeitura de Curitiba. A delatora foi taxativa: os R$ 18 milhões eram caixa dois. Os valores foram pagos como parte dos trabalhos de Santana. Campanhas de Fernando Haddad, em São Paulo, de Patrus Ananias, em Belo Horizonte (MG), em 2012, e em países no exterior, como Venezuela e El Salvador, também contaram com dinheiro sujo da Odebrecht. Os candidatos, todos eles, Lula e Dilma incluídos, tinham total conhecimento das operações ilegais, conforme asseverou Monica.
Em 2009, a pedido do PT, a construtora bancou a campanha presidencial de Maurício Funes, em El Salvador. Mais uma vez, houve repasses não contabilizados. “Foi um pedido do presidente Lula para que o João (Santana) fizesse essa campanha. Ele tinha interesse que um partido de esquerda ganhasse essa eleição”, afirmou Mônica Moura. Funes foi o primeiro político de esquerda a triunfar em El Salvador. Hoje já se sabe a que custo. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
“Eu assumo minhas responsabilidades. Eu estava sendo cúmplice de um sistema eleitoral corrupto e negativo.”
João Santana
“Depois que eu acertava o valor com Palocci, como por exemplo nas campanhas de 2006, 2008, 2010 e 2012, ele me dizia: ‘A Odebrecht vai pagar uma parte’”
Mônica Moura
“Sempre era dinheiro entregue em malas e mochilas, em hoteis, em flats, em diversos lugares.”
Mônica Moura
“Sim, todos os candidatos sabiam (do caixa dois). Quanto era pago e como era pago”.
Mônica Moura
“Todo mundo sabe que teve caixa dois nas campanhas. Se o sr. tiver interesse eu apresento os fatos com nomes, endereços e operações realizadas. É um trabalho que fará bem ao Brasil”
Antonio Palocci