Medo, insegurança, indignação, raiva e desamparo. Estes são alguns dos sentimentos que os moradores e comerciantes da região do Centro Histórico de Cuiabá conseguem descrever, diante da situação pela qual estão passando.
A onda de furtos e assaltos – praticamente diários – na região mais movimentada da Capital tem assustado todos os que frequentam o local, fazendo, inclusive, com que alguns empresários fiquem sem alternativa, senão a de fechar as portas dos seus estabelecimentos.
A reportagem do MidiaNews percorreu, durante esta semana, diversas lojas e casas, onde se concentra a maioria das reclamações. Não foi difícil encontrar pessoas que já foram vítimas de assaltos ou furtos.
É o caso do fazendeiro Pedro Lacerda, de 66 anos, que teve a casa furtada na última semana, na Rua Batista das Neves. Além de levarem a maioria dos objetos da residência, os criminosos ainda quebraram todo o imóvel e, inclusive, defecaram em um dos cômodos.
“Arrombaram toda minha casa. Quando cheguei da fazenda, encontrei toda revirada. Eles ainda entraram pela porta da frente, levaram tudo: meu freezer, fogão, máquina de lavar, duas televisões, umas camas e todo material de cozinha. Roubaram até peças da minha caminhonete que estava estacionada aqui. Eles jogaram tudo no chão, reviraram tudo”, desabafou, revoltado.
Morando há mais de 10 anos no local, Pedro afirma que tem o costume de passar mais de meses na fazenda, porém sempre deixou um vigia em sua casa para cuidar. Mas, segundo ele, a “turma do barulho” simplesmente expulsou o profissional sob a ameaça de morte.
“Fui chamado aqui depois disso pelo vigia e encontrei a casa assim quando cheguei. Chamei a polícia, que me disse que não tinha autoridade para fazer nada. Encaminham a gente para uma burocracia sem igual”.
O fazendeiro diz que o prejuízo ultrapassa os R$ 40 mil.
Outra vizinha, de 76 anos, que não quis se identificar com medo de represálias, relatou que no último domingo (23) também teve a casa invadida.
Lá os “visitantes”, além de revirar tudo em busca de dinheiro e joias, ainda arrumaram tempo para fazer um lanche na cozinha.
“Eu tinha ido numa festa de São João. Quando voltei, a casa estava de ‘pernas para o ar’. Vi que eles quebraram o portão principal e depois arrombaram as três portas da casa. Levaram roupas, joias e dinheiro. Até vinho e frutas que estavam na geladeira eles levaram”, relatou.
A idosa comenta que mora no local há 50 anos e esta foi a primeira vez que teve a casa furtada. As câmeras de segurança e cerca elétrica não foram capazes de inibir a ação. Por causa disso, desta vez se sentiu obrigada a instalar também concertina elétrica nos muros.
Ao falar sobre o sentimento após ver a casa invadida e revirada, a mulher disse, em poucas palavras, que se sente “desanimada, preocupada e com medo de tudo”.
Novos “vizinhos”
A “bandidagem do Centro”, como é conhecida pelos moradores e comerciantes, não perdoaram nem o Cemitério da Piedade, que foi invadido no dia 21 de julho.
Na ocasião, os criminosos arrombaram a porta do escritório.
Eles reviraram o local e levaram ferramentas e o equipamento de videomonitoramento.
O responsável pelo cemitério, Silvio Lourenço de Souza, de 48 anos, contou que os furtos se intensificaram após a Prefeitura realocar, para uma casa na rua da frente, os usuários de drogas que se abrigavam na Ilha da Banana.
“Antigamente era um caso ou outro [furto]. Agora, depois que trouxeram esses usuários para cá, todo dia tem um furto diferente. Se você passar aqui à noite, “está no sal”. A partir das 22h eles começam a atuar”, contou.
“É muito ruim. Tiraram o problema de lá e trouxeram para cá. Isso não resolve. Colocaram eles nessa casa. Durante o dia, eles dormem e à noite saem para ‘trabalhar’”, ironizou.
O marceneiro Elson Gomes, de 62 anos, que mora há 25 na Rua Batista das Neves, concorda com Silvo. Ele conta que durante todo esse tempo, nunca viu tantos furtos como agora.
“Cresceu muito depois que eles [usuários de drogas] vieram para cá. Durante a semana, presencio pelo menos cinco vidros de carros quebrados aqui nessa rua”, relatou.
O morador ainda diz que tem consciência de que furtos e roubos sempre houve na região, porém afirma que nunca foi tão corriqueiro como hoje.
“A gente sabe que todo lugar tem roubo e furto, mas é sempre esporadicamente. Isso que está acontecendo aqui é algo que assusta. Todo dia tem algo novo. E já está se tornando normal, ninguém liga mais. A polícia vem, só olha e vai embora. Poxa, eu tenho minhas ferramentas aqui, trabalho em casa, moro sozinho com meu cachorro. Eu estou confiando nele ultimamente”, lamentou.
Elson ainda diz que o Governo e a Prefeitura estão tratando todos os casos de furtos com descaso e, apesar de nunca ter tido a casa invadida, teme um dia acordar com um “visitante inesperado”.
“Eu espero que o prefeito arrume um lugar pra eles, longe do Centro. É um descaso público terrível. Está faltando muita coisa na segurança publica. E para eles [autoridades] está tudo bem. Mas manda eles virem aqui na região do cemitério para ver a realidade como é”, disse.
“Eu chego a me tremer de medo. Ouço qualquer barulho, vejo o cachorro latindo e já acho que tem alguém querendo invadir. Estou assustado. E não sou só eu, não. É todo mundo aqui”, relatou.
Comércio em desespero
Os empresários também são uma classe que tem sofrido bastante com os furtos e roubos.
A reportagem percorreu a Rua Voluntários da Pátria, mais conhecida como “Rua das Noivas”, e lá não foi difícil encontrar uma loja que tenha sido vítima de furtos.
Em uma das lojas, bandidos já quebraram as portas de vidro oito vezes.
Segundo Kássia Castro, de 26 anos, gerente de uma das lojas, o local já virou ponto de furto para “noiados”. O ultimo aconteceu na madrugada do dia 22 de julho, um sábado.
“Trabalho há oito anos aqui. Pelo menos duas vezes ao ano nós somos furtados. Temos conhecimento que são esses ‘noiados’ que querem pegar alguma coisa pra poder trocar por droga", afirmou.
A funcionária conta que levanta todos os dias com medo de que algo aconteça a ela e às demais colegas.
“Essa rua é muito perigosa. A gente fecha às 18h em ponto, porque aqui não tem policiamento. A polícia passa uma vez ou outra. Todo dia a gente vai trabalhar com isso na cabeça: se vai acontecer algo ou não. Aqui a segurança publica deixa a desejar”.
Kássia ainda diz que a patroa possui mais duas lojas na mesma rua e que ambas também já foram alvo de bandidos.
“Em março no dia 28, houve outro furto aqui. Aí, uma semana depois, entraram na outra loja, e na semana seguinte na outra. A gente não tem segurança para trabalhar. Se chegar uma pessoa aqui agora e te abordar, o que você faz? Não tem o que fazer, infelizmente estamos à mercê da criminalidade”, reclamou.
Semana passada a reportagem do MidiaNews mostrou o caso de uma empresária que, após ser furtada seis vezes em quatro meses, decidiu fechar as portas de seu estabelecimento.
“Eu vou fechar, porque eu não aguento mais. Eu estou trabalhando para sustentar bandido. Não dá! Eu trabalho o dia inteiro e vendo R$ 1000. Ai, vem um bandido e quebra a porta de R$ 3 mil. Ainda tenho que pagar funcionário, água, luz e aluguel... Como eu vou viver desse jeito? Impossível! A gente não tem segurança, não tem condições. Infelizmente, eu vou ter que assumir o prejuízo do que o Estado não faz, que é dar segurança pra gente”, desabafou.
Em outro estabelecimento comercial, localizado na mesma rua, uma empresária relatou ter colocado grades em sua loja, e que só abre a porta caso conheça o cliente. Do contrário, fica do lado de fora.
“Infelizmente é o preço que pagamos por não ter segurança. Não tem como trabalhar mais, porque bandido não tem cara”, disse.
Outro caso recente de tentativa de furto foi registrado pelas câmeras do circuito de monitoramento do Cartório do 4º ofício, na Rua Campo Grande. (Veja vídeo no final da matéria).
Pelas imagens, é possível ver quando uma pessoa, segurando uma lata de cerveja, atira várias pedras na vidraça, até que ela quebre.
O caso aconteceu também no final de semana passado.
Uma câmera de monitoramento flagrou também o momento em que uma mulher é abordada por um rapaz que simplesmente a deixa ali e leva o seu carro.
O funcionário do cartório, Aniball Molina, de 43 anos, relatou à reportagem que trabalha há mais de 20 anos no local e diz que percebeu, assim como a maioria dos moradores, o aumento nos furtos e roubos na região.
Ele também acredita que o fator se deve ao realojamento dos usuários de drogas da Ilha da Banana para a região.
“Depois que eles vieram para cá, aumentaram bastante os furtos e roubos. Todo dia nós vemos uma noticia de assalto. Está sempre aumentando. O Governo diz uma coisa, mas na realidade a gente vê outra”, disse.
Outro lado
Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria de Assistência Social de Cuiabá afirmou que os casos de furtos na região não são por causa dos moradores da casa alugada pela Prefeitura.
A assessoria informou ainda que, apesar de ser um lugar provisório, não há data para que sejam realocados para outro lugar.
Veja os vídeos: