Bolsonaro venceu as eleições no Brasil em outubro deste ano. Sua vitória representa a voz de muitos que esteve calada por quase 3 décadas, a chamada direita; mas ele representa também outra voz, a dos arrependidos que votaram na esquerda.
As últimas pesquisas antes da disputa eleitoral revelavam que 94% de seu eleitorado estava fidelizado e que apenas 10% do eleitorado fez o “voto útil“, o voto que não é no candidato, mas contra o adversário: Haddad.
Isto tem muito a dizer: a esmagadora maioria que votou nele realmente acreditou em seu discurso e espera que ele o cumpra. Uma minoria o fez por mera rejeição ao PT, embora todos queiram distância dos comunistas.
O discurso de Bolsonaro foi, durante pelo menos 30 anos, o polêmico embate na área da segurança pública e a prometida transparência na gestão, que significa no final das contas o contrário da corrupção.
O novo Bolsonaro e sua agenda
Agora, ele não é mais um deputado lutando por pautas singulares, mas sim o chefe do executivo, o homem do Planalto, e é para este que nossos olhos e ouvidos se voltam neste momento: o chefe da nação, responsável por todas as mais difíceis decisões que se possa imaginar, aquelas cujo menor deslize pode custar o emprego de milhares e incontáveis vidas.
Qual a agenda de Bolsonaro? Ninguém sabe ao certo. A única coisa que se é possível conhecer de verdade, é a bússola que o guia, em cujo norte se encontram princípios e valores cristãos, teorias econômicas de livre mercado e redução do estado, a preocupação com a segurança pública que produz quase 70 mil cadáveres por ano, a defesa da propriedade privada, e tudo lastreado por uma palavra: responsabilidade, que inclusive é marca registrada de sua carreira militar.
Há inúmeras expectativas na educação, saúde, infraestrutura, economia e segurança. Há também pouco dinheiro, uma impopular reforma da previdência, um crime organizado que se identifica com parte da esquerda, uma cultura popular que floresceu recentemente e que adora direitos mas não consegue ligá-los aos deveres, um passado assustador no qual Collor congelou as poupanças e que o país não quer reviver de forma alguma, uma guerra político-publicitária na qual até os menores soldados aprenderam a pedir impeachment e o farão tão logo quanto a oportunidade surja; enfim, barranco pra arrancar na enxada, não falta.
Qualquer um que consiga medir as expectativas e contra as reais possibilidades, pelo menos neste instante, também será forçado a dizer que não é possível fazer tudo. O cenário pode mudar? Pode. Mas agora é este mesmo e isto significa que ele precisará estabelecer prioridades, e abrir mão de alguma meta aqui e outra ali.
Não dá pra subir o IDH, melhorar a posição do país nos rankings mundiais de educação, dar uma paulada na inflação, botar o estado numa esteira pra emagrecer, diminuir a aberração que é o número anual de homicídios, resolver o caos na saúde pública, completar o asfaltamento das rodovias, resolver a abandonada malha ferroviária, dar o suporte que requerem os portos e aeroportos, concluir metas de saneamento básico, levar energia elétrica até os níveis desejados em todas as localidades carentes, acabar com as filas e suprir a carência de leitos nos hospitais e postos de saúde, atrair investimentos estrangeiros, nocautear o desemprego, desfazer o sucateamento das Forças Armadas, enrijecer o controle de fronteiras por onde entram armas ilegais e drogas, e tudo isso ao mesmo tempo, e sem dizer ainda que não é sequer a metade da ampla agenda.
Dá pra fazer boa parte, mas fazer tudo é impossível e não precisa ser nenhum gênio pra perceber isso.
Capital político
Bolsonaro não apenas venceu, ele humilhou o adversário vermelho nas urnas, ganhou aliados improváveis e comprovou sua popularidade. Mas não foi sempre assim.
O início do surgimento do personagem “Bolsonaro”, foi marcado por situações de extrema solidão nas quais ninguém levaria a sério qualquer hipótese de que se tornasse um presidenciável.
Ele comemorou sozinho, na frente do Congresso, a contra-revolução de 1964, foi ignorado nas ruas do RJ por esportistas, virou chacota de humoristas de todas as espécies, e a despeito de todas as expectativas de que fosse sucumbir e alegrar a esquerda, ele ousou sobreviver. Sobreviveu e ganhou uma força que só se pode explicar por intervenção divina.
De sujeito ridículo até preferência nacional indubitável, ele subiu cada pequeno degrau, subiu dos umbrais do inferno para se tornar quem é: conhecido de todos e aclamado.
Com a ascensão e a fama, vieram também o respeito e o temor da classe política. Antes mesmo do primeiro turno ele já tinha a maioria na Câmara muito apoio no Senado, o que significa no final das contas, que aprovar seus projetos não seria ali uma grande dificuldade.
Ter capital político, significa na prática, ter governabilidade: foi sempre o grande problema do PSDB e grande parte da corrupção do PT, com o mensalão. Bolsonaro não precisará negociar cargos com benefícios em troca de apoio parlamentar para aprovação de projetos.
A dificuldade novamente estaria na falta de recursos: dinheiro, money, cascalho, bufunfa.
Já primeiro trimestre, ele terá condições de obter grandes vitórias.
O jogo político no entanto não é essa visão simplista na qual o presidente é o chefe e os demais são empregados, não, não, a coisa é bem diferente. Onyx Lorenzoni foi nomeado “ministro extraordinário” durante estes dois meses de transição e será, se nada mudar no caminho, o ministro chefe da Casa Civil, o que equivale dizer que para chegar no Bolsonaro, tem que passar por ele primeiro. É o homem que ligará os pontos, falará com quem for necessário, para que a mágica dos projetos que o país precisa, aconteça. E sem dinheiro, só dá pra fazer tudo por milagre, ou então, num cenário alternativo, muita coisa acabará sendo feita de qualquer jeito, sem qualidade.
No Brasil, na UTI do jeito que está, tudo é prioridade. A dupla dinâmica Bolsonaro e Onyx terá que lidar com este corpo em estado terminal, mas que pode ser salvo.
Segurança
Esta é sua bandeira mais antiga e também a demanda social mais urgente.
Na prática significam: excludente de ilicitude, redução da maioridade penal, alteração do estatuto do desarmamento, a audiência de custódia, salários das forças policiais, excessos cometidos pelos defensores dos direitos humanos, e um caminho tortuoso de pautas que encontram-se lá na frente com a aquisição de recursos para as Forças Armadas, há muito tempo esquecidas.
É esta também, provavelmente, a agenda mais fácil de se conseguir vitória e aquela que lhe renderá maior popularidade: Bolsonaro é flexível quando se trata de ouvir o povo e hábil para adaptar-se ao que clama por solução.
A verdade é que o cidadão está de saco cheio de andar com medo, de saco cheio de ligar a TV e descobrir que a polícia prende, mas tem que soltar no mesmo dia,
Justiça
Sergio Moro foi escolhido para o Ministério da Justiça e com amplos poderes. A esquerda que tremia ante o juiz, agora se borra.
Sexta-feira mesmo (9/11), Bolsonaro declarou em seu canal no Youtube que “Moro pescava com varinha e que agora ele vai pescar com rede de arrastão de 500 metros“.
Tudo que é bandido do colarinho branco está com medo. Sim! E a torcida vai ao delírio. Mas isto significa que, mesmo entre os aliados, dos oportunistas aos santos do pau oco, o capital político do capitão vai sofrer baixas. Entre os alvos do juiz está essa turma de ‘buona gente‘ e podem ter certeza: vão rodar.
Uma recente pesquisa de opinião independente trouxe como resultado que a aprovação de Moro no Ministério da Justiça, ultrapassou 82% da opinião pública.
Para o Brasil é um alívio, ver toda corja na cadeia e novas regras impostas: lugar de bandido (principalmente político) é na cadeia, e vão, cedo ou cedo, porque Moro tá no apetite e a mangueirinha da Lava-Jato, agora é uma Vap poderosa.
Para o establishment no entanto e para a gestão Bolsonaro, isto promete se tornar um enorme desafio. Bolsonaro desafiou a casa toda ao coloca-lo lá, para confrontá-los dentro de seu quintal.
Enfim, Moro vem, o Brasil comemora, mas capital político vai.
Reforma da previdência
Eis o gargalo do Brasil. Sem a reforma da previdência, absolutamente nada será feito. O Brasil está sem dinheiro e cheio de necessidades.
O que isto significa? Significa que é a prioridade. Fosse quem fosse que vencesse a disputa e se elegesse, não teria pra onde correr, ou faz a reforma, ou fica sem caixa: é sem dó e sem dor.
O que falta para o país é tomar consciência de quem sem isso, o desemprego continua. É a história do remédio amargo que cura.
Além da reforma é claro, outras frentes podem trazer recursos para o país, como bons embaixadores, mas isto não tira o caráter urgente do problema da previdência.
Paulo Guedes, futuro Ministro da Economia, entendeu perfeitamente isto e comprou a briga. Bolsonaro por sua vez não fala tanto sobre o assunto, apenas diz que será feito e que está estudando as alternativas, é vago, mas com responsabilidade.
Bolsonaro adotou o discurso liberal recentemente, é novidade ainda e o único sinal de que ele realmente aderiu às ideias desta linha de pensamento, é a convocação de Paulo Guedes. Se por um lado assumir que não entende de economia é um ato nobre de humildade, por outro lado traz consigo uma tremenda falta de convicção, que a mídia inclusive se aproveitou para fazer questionamentos sobre por exemplo, o que aconteceria se Paulo Guedes morresse, viajasse para Marte, ou coisas do tipo, enfim, o que queriam saber no fundo, suponho, é se o capitão manteria a linha liberal ou adotaria outra. O presidente eleito não respondeu a isto e a questão morreu, mas a ausência de convicção só poderá ser sepultada realmente, quando Guedes colocar seu plano em ação e os resultados começarem a surgir.
O presidente eleito tem em sua defesa uma força chamada sinceridade: quem o assiste, sabe que está falando não com o presidente, nem com o deputado, nem com o capitão, mas com o ser humano que atende pelo nome de Jair Messias. Não há nada em oculto na história dele na mesma medida que não há nada rejeitado. Ele é aquilo ali mesmo, e inspira doses cavalares de confiança. Por isto, quando diz “confio em Paulo Guedes e ele tem carta branca“, a perspectiva econômica de crescimento do país, soa factível e agradável.
Por outro lado ele nasceu e se criou politicamente na Câmara, como deputado, buscando mais direitos para uma determinada classe e isto é o contrário, o diametral oposto da reforma da previdência. Agora, ele está do outro lado da questão e está para perder a virgindade. Será uma visão mais completa, do que as anteriores, suponho: a experiência do deputado que lutou por direitos que custam dinheiro do estado, e a novidade do gestor que precisa pagar por estes direitos, com grana curta. É sem dúvidas um ambiente estranho e uma meta ambígua.
E por fim, tem as pessoas. Tanto os que ficam em casa quanto os que vão as ruas: a reforma da previdência é inegavelmente a mais impopular das pautas e ao mesmo tempo a primeira necessidade.
O Brasil tem bem gravado em sua memória o episódio em que Collor teve que confiscar as poupanças para controle da inflação, ele pegou a bomba deixada por seus antecessores, prestes a explodir e lhe deu uma cacetada. Era isso ou o país implodiria. E ele o fez, mas lhe custou a popularidade e foi, meio caminho andado, para seu impeachment.
Quem tem mais de 30 anos olha para trás traumatizado, sobretudo quem estava ganhando com o rendimento da poupança.
Ninguém quer estas soluções, mas ninguém oferece alternativas.
E tem que ser feito. E acabou. É a cabeça dele que vai pra guilhotina, esperando seu carrasco decidir, se solta a lâmina ou se espera para ver se o efeito do remédio amargo realmente será a cura.
O Bolsonaro que quer pacificar o país é o mesmo que está sob pressão, segurando todo edifício em chamas nas suas costas, esperando a equipe ministerial de bombeiros apagar o fogo, e esta por sua vez aguarda sua ordem. Uma ordem que não pode esperar, é uma urgência. Ele quer esperar, quer estudar a situação e todas as suas possibilidades, quer tomar uma atitude responsável que minimize os prejuízos para a sociedade, para sua imagem e para seu capital político, e esta hesitação aparente soa como impasse de covardia para a maioria dos analistas, pois toda sua gestão disto depende: sem isto, nada mais poderá ser concretizado e não por falta de apoio, mas por falta de recursos. Hesitar neste ponto, é um grave erro estratégico, mas tomar a atitude certa é também um perigo iminente.
Núcleo duro
A impressão que eu tenho, lendo a conjuntura do time escalado pelo capitão, é que ele não esperava ser presidente até sua candidatura ganhar a força que devastou os adversários e a infantilóide mídia com linhagem editorial de esquerda.
A trajetória foi meteórica e o resultado glorioso. Bolsonaro e seu primeiro time, mais pareciam os Cavaleiros do Zodíaco atravessando as 12 casas do que a campanha de um candidato concorrendo ao Planalto.
Tudo muito bonito, mas o problema gerado aqui é uma ambiguidade cruel. Explico.
Primeiro ele fez questão de deixar clara a transparência com a qual escalaria seu time: capacidade técnica e não favores em troca de apoio.
Em seguida que seus primeiros apoiadores, aqueles que foram vagarosamente compondo o que se entendia por “identidade bolsonarista”, já vinham carregados de convicções irredutíveis, com destaque para os expoentes Paulo Guedes, Onyx Lorenzoni e o general Hamilton Mourão.
Se por um lado Sun Tzu diz que o general vencedor é o que mantém todos unidos numa única direção, por outro lado, a realidade do ego brasileiro parece não ter limite.
Mourão e Guedes fizeram afirmações durante a campanha, na maior das inocências, que foram tiradas de contexto e se transformaram em pedras no caminho de Bolsonaro. Mas aprenderam a lição e com este animal faminto chamado mídia mainstream, não brincam mais e muito menos o alimentam.
Os três citados acima tomaram aquela facada junto com o capitão, sentiram o sonho que juntos construíam sofrer num leito de hospital e viram os inimigos salivando, sedentos de poder. Não foram tragados por intervenção divina, pois a faca entrou, entrou e girou, girou e feriu, e feriu pra matar.
A lição de Sun Tzu, no entanto, ainda não foi entendida.
Onyx e Guedes não se entendem. Embora declarem publicamente que tudo está bem, na prática não é isto que parece. O primeiro será o ministro da Casa Civil, o segundo da Economia. O primeiro será o principal articulador de toda política do presidente, o segundo será o pilar econômico. Ambos concorrem, centímetro a centímetro, a posição de “mais importante” no governo que se inicia em 2019, e ambos são peças indispensáveis do núcleo duro. A sensação é que o pau tá comendo solto entre os dois, e que o prejudicado no final das contas, seja o Bolsonaro.
O time que se formou no entanto, se criou com o discurso de que pro país andar, basta cortar privilégios e reduzir o estado, que o dinheiro surgiria como um passe de mágica. Bolsonaro até se esforça para continuar nessa linha, mas no fundo ele sabe: é um pensamento pseudo-político, é a raiz do populismo e é um veneno que mata aos poucos aquele que o consome, e que mata sem perdão.
Em julho deste ano, houve uma importante e realista declaração do professor Paulo Resende da Fundação Dom Cabral ao Valor Econômico:
O especialista afirmou ainda que qualquer candidato à Presidência que falar que vai fazer algo com dinheiro público ou está mentindo ou quer ir para a cadeia. “Como podemos prometer algum projeto novo se o Congresso brasileiro acabou de decretar falência?”, questionou.
E ele está certo, sei porque acompanho o trabalho dele há mais de um ano.
A verdade é que apenas 14% da malha rodoviária brasileira é asfaltada, ela se estende por 1.7 milhão de quilômetros e é responsável por 61% do transporte de mercadorias. Não vou falar da situação das ferrovias e hidrovias, portos e aeroportos, senão você vai começar a chorar lendo isto. E vai chorar com razão.
Enxugar o estado é claro, é um início, mas está longe de ser tudo. Se Collor pegou uma bomba chamada inflação deixada pelo seu antecessor, Bolsonaro pegou o resultado da última gestão FHC, 2 gestões Lula, e 1 gestão Dilma e meia. É uma congestão política, é um trabalho hercúleo que nem em sonho, dá pra resolver apenas enxugando o estado. Enxugar o estado é dar analgésico, prum paciente com câncer.
O projeto Paulo Guedes entendeu isto e quer agir rápido, como competência econômica. A agenda Lorenzoni quer distância disto, como competência de comunicação. E o pior, ambos estão absolutamente certos, de seus pontos de vista específicos.
O projeto de Bolsonaro contempla este desenvolvimento de infraestrutura, do qual depende a economia, é necessário ser uma besta quadrada para não perceber isto, mas continua faltando grana, e sem reforma da previdência, sem grana.
Bolsonaro também entendeu isto. A torcida, para diminuir o prejuízo de sua gestão, é que Temer consiga aprovar algo neste sentido ainda neste 1 mês e meio até o final do ano. Se contentar com um pequeno passo, no entanto, não é uma boa mensagem para o eleitor. E aí está mais um ponto de tensão.
A realidade dos fatos é que apesar dos pesares, o capitão conta com 30 anos de vida pública e assim como venceu outras lutas, pelo menos para ele, esta será mais uma. Uma muito difícil é verdade, mas será.
Daqueles que iniciaram a composição do seu time, alguns já estão gemendo. O que iremos descobrir é se haverá flexibilidade suficiente, maturidade mesmo, nos membros deste importante time com o qual agora o Brasil passa a contar, para de vez em quando, deixar de ser cabeça dura irredutível e voltar atrás. Fazer sim, uma auto-crítica, deixar o reizinho que impera na barriga com fome alguns minutos, pelo menos pra aprender que o mundo não gira ao seu redor. É um bom exercício e é necessário, pelo bem do país. Se isto for feito, as expectativas passarão de boas para excelentes, se pelo contrário, não for feito, haverão baixas no time e não vejo outro caminho.
Apesar de todos os pesares, feita esta leitura, concluo que as expectativas estão longe, muito longe, do pessimismo. É um momento, precisa ser enfrentado e será, como os anteriores também foram.
Quando na redação do Terça Livre, meu amigo Allan dos Santos sugeriu este título, de imediato o acatei, pois é perfeito, é a síntese de tudo que foi dito até aqui: Para o Brasil se tornar um campeão, primeiro precisa sair da UTI.