A pandemia nos trouxe mazelas inimagináveis, mas também nos traz esperança de muitas mudanças principalmente no que corresponde a empatia com a dor do outro. A pandemia é uma oportunidade de rever nossos conceitos e preconceitos a fim de nos tornar mais solidários, mais éticos e mais amorosos e isso com certeza irá se refletir nas relações familiares, nas relações de trabalho, enfim em todas as estâncias da sociedade.
A pandemia nos trouxe mazelas inimagináveis, mas também nos traz esperança de muitas mudanças principalmente no que corresponde a empatia com a dor do outro. A pandemia é uma oportunidade de rever nossos conceitos e preconceitos a fim de nos tornar mais solidários, mais éticos e mais amorosos e isso com certeza irá se refletir nas relações familiares, nas relações de trabalho, enfim em todas as estâncias da sociedade.
Uma das oportunidades que estamos tendo é rompermos com a nossa estrutura patriarcal, colonial de achar que somos melhores do que os outros, que quanto maior a posição social e econômica temos menos obrigações a serem cumpridas. A grosso modo todos já ouvimos a famigerada frase: “você sabe com quem está falando? ” Essa frase é uma herança colonial onde todos conheciam a todos e a mobilidade social não existia. Mas o que causa espanto que mesmo após séculos essa frase ainda está muito vivida em nossa sociedade.
No último final de semana o Brasil se viu novamente com esse modelo de “carteirada” quando um desembargador do estado de São Paulo exteriorizou toda sua aversão a igualdade racial e social quando tentou enquadrar um agente público de segurança simplesmente pelo fato de não querer usar a máscara ao fazer uma caminhada em um espaço público. A ação do desembargador demonstra um total desrespeito a saúde coletiva, uma falta de sensibilidade com os muitos milhares de vidas que a COVID – 19 está ceifando da sociedade brasileira, e uma tentativa fajuta de se considerar mais importante por exercer um cargo com mais estudos, com uma remuneração maior que lhe confere um status social de destaque.
Dias antes a mídia noticiou algo semelhante do Rio de Janeiro, quando novamente um agente de segurança e saúde trabalhando para zelar pelo distanciamento social em um bar com aglomeração, recebeu a seguinte frase de uma companheira de uma pessoa que estava sendo convidada a cumprir as normas de segurança da saúde coletiva: “Quem é você? ” Ela mesma respondeu ao agente de saúde: “você não é ninguém”, “ele é um engenheiro formado” destacou ela com toda pompa orgulhosa. Na Várzea Grande um passageiro desferiu dois tiros contra um ônibus pelo simples fato do motorista pedir para que o mesmo usasse a máscara para entrar no coletivo.
Esses fatos lamentáveis se arrastam aos montes no cotidiano das cidades brasileiras e isso evidencia que ainda temos um padrão de comportamento aristocrático muito forte, o que mostra a nossa contradição como sociedade pois pregamos uma democracia republicana igualitária. Parece muito simples entender que seu direito termina onde começa o meu e vice e versa. Mas quando nos deparamos com os relatos acima citados, vemos que não somos iguais, porque essas pessoas estavam dizendo em outras palavras, vocês seguem a regra, porém eu não sou obrigado a seguir porque porto uma arma, ou tenho curso superior ou ainda porque o meu salário é muito maior que o seu. Claro que esses exemplos afrontam de forma criminosa um regime democrático que defendemos e que cada um de nós está submetido.
Lembro que sempre foi grande o esforço de intelectuais das mais diversas áreas do conhecimento para entender essa celeuma que o Brasil tem carregado de “malandragem” que na verdade é um clientelismo autoritário do “você sabe com quem está falando? ” O Brasil é um país de contrastes com diversas realidades com narrativas distintas, hoje ainda não conseguimos desfazer da nossa sociedade aristocrática, para uma sociedade com mobilidade, onde os direitos e deveres devem ser cumpridos por todos.
Ainda continuo sendo um entusiasta da democracia e confio que possamos sair desta pandemia com mais empatia respeitando e desenvolvendo o amor ao próximo em nosso “novo normal”.
FRANKES MARCIO BATISTA SIQUEIRA. Doutor em
Cultura contemporânea e professor.